Inês de Castro
Antes do fim do mundo, despertar,
Sem D.Pedro sentir,
E dizer às donzelas que o luar
E o aceno do amado que há-de vir...
E mostra-lhes que o amor contrariado
Triunfa até da própria sepultura:
O amante, mais terno e apaixonado,
Ergue a noiva caída à sua altura.
E pedir-lhes, depois, fidelidade humana
Ao mito do poeta, à linda Inês...
À eterna Julieta castelhana
Do Romeu português.
Miguel Torga, in Poemas Ibéricos-Antologia Poética, 1981
À morte de Inês de Castro
Toldam-se os ares
Murcham-se as flores;
Morrei, Amores,
Que Inês morreu.
Mísero esposo,
Desata o pranto,
Que o teu encanto
Já não é teu.
Sua alma pura
Nos Céus encerra;
Triste da Terra,
Porque a perdeu.
Contra a cruenta
Raiva ferina,
Taça divina
Não lhe valeu.
Tem roto o seio,
Tesouro oculto;
Bárbaro insulto
Se lhe atreveu.
Da dor e espanto
No carro do outro
O númen louro
Desfaleceu.
Aves sinistras
Aqui piaram,
Lobos uivaram,
O chão tremeu.
Toldam-se os ares
Murcham-se as flores;
Morrei, Amores,
Que Inês morreu.
Bocage, in Cantata à Morte de Inês de Castro (excerto)
A linda Inês de manto
Teceram-lhe o manto
para ser de morta
assim como o pranto
se tece na roca
Assim como o trono
e como o espaldar
foi igual o modo
de a chorar
Só a morte trouxe
todo o veludo
no corte da roupa
no cinto justo
Também com o choro
lhe deram um estrado
um firmal de ouro
o corpo exumado
O vestido dado
como a choravam
era de brocado
não era escarlata
Também de pranto
a vestiram toda
era como um manto
mais fino que a roupa
Fiama H. P. Brandão, in Obra Breve, Barcas Novas, 1967
Pedro e Inês
Tu amavas o sol perdidamente
e tudo te pedia um pouco do perfume do pomar
aurora não do dia aurora do amor
alegria tão forte que causava dor
nave de pedra em luz transfigurada
Há cotovias já no teu silêncio
há coisas de outra idade neste dia
que afogentou os rouxinóis da noite
É manhã nas estrelas vai alguém casar
pedra de pedra pedra intensamente
testamento lavrado sendo já alto o serão
alguém casou alguém morreu de amor
após a sua postrimeira dor
Talvez um dia eu volte lá dessa cidade
somente minha e de mais ninguém
A vida era a mágoa para mim que só pedia
a beleza contida num pequeno copo de água
Ninguém profundamente me conhece
nem talvez isso interesse a alguém
e aos íntimos menos que a ninguém
Bailador e monteiro e justiceiro
pedro primeiro pedro derradeiro
Ruy Belo, “A Margem da Alegria”, 1973, (fragmento final) in Obra Poética de Ruy Belo, vol.2, Ed. Presença
os cabelos parecem os choupais
Inês! Inês! Rainha sem sossego
dum rei que por amor não pode mais.
Amor imenso que também é cego
amor que torna os homens imortais.
Inês! Inês! Distância a que não chego
morta tão cedo por viver demais.
Os teus gestos são verdes
os teus braços
são gaivotas poisadas no regaço
dum mar azul turquesa intemporal.
As andorinhas seguem os teus passos
e tu morrendo com os olhos baços
Inês! Inês! Inês de Portugal.
CHOVE! Chove... Mas isso que importa!,
se estou aqui abrigado nesta porta
a ouvir a chuva que cai do céu
uma melodia de silêncio
que ninguém mais ouve
senão eu?
Chove...
Mas é do destino
de quem ama
ouvir um violino
até na lama.
Dedicado a Inês, por José Gomes Ferreira, in As Tormentas (clicar)
sob a oxidação da luz o cordão umbilical
agora o amor prefigura-nos melhor sobre
as águas as pedras da fonte continuam
desencarnadas nos golfos do crime
as águas ainda na exatidão enregelada das
lâminas nos veios cintilantes da sílaba
o poema íngreme no equilíbrio do sangue
a fulguração do fogo inteiramente vencido
nas mãos do assombro sob os líquidos a
clara magnólia inteira a ferida ainda fresca.
A Ulina Soneto dedicatório Da miseranda Inês o caso triste
Paixão, que, se a sentir, não lhe resiste
bem, vendo um composto
Tu és cópia de Inês, encanto amado;
Manuel Maria Barbosa du Bocage, in Bocage (clicar)
Inês morreu e nem se defendeu
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